EDIÇÃO ESPECIAL
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# 7 | DIA DAS MENTIRAS | 1 ABRIL 2020
Comunicar é acrescentar valor

INDISPENSÁVEL
No dia das mentiras, combatamos as mentiras. Notícias e conspirações falsas em momentos de crise são tão mais repreensíveis que a questão mais interessante é o desafio das notícias em si. Enquanto na maioria das vezes os jornalistas se consideram opostos aos governos, quando o público está assustado, jornalistas e governos têm incentivos mais alinhados: transmitir as melhores e mais fidedignas informações. E em tempos de crise, o público está, de facto, a migrar para o que tem sido depreciativamente chamado de “grande rede social”. O tráfego para o site da BBC News, por exemplo, está a subir para níveis extraordinários. Durante o mês passado, de 12 de fevereiro a 11 de março, houve mais de 575 milhões de visualizações de página em todo o mundo em histórias sobre coronavírus. As pessoas querem informações confiáveis e sabem para onde se virar. Para ler mais na BBC News, aqui

POR CÁ
Notícias que marcam:
Uma “fake news” é 70% mais reproduzida do que uma notícia verdadeira. O analista de redes sociais Joaquim Fialho alerta que os dados errados são mais propícios a serem partilhados pelos utilizadores. Para ler aqui
Neste momento, a desinformação prolifera até com o anúncio de vacinas homeopáticas para a Covid-19, aproveitando a angústia destes dias. Hoje, para além da comunicação social e do já antigo boca-a-boca, temos as redes sociais digitais e por isso uma massificação destes fenómenos, quase sem filtros, disponíveis para todos e sem responsabilização possível, muitas das vezes, devido ao anonimato, tantas vezes com a narrativa de evitar as conspirativas consequências que sofreriam como se de vítimas se tratassem. Para ler na TSF, aqui

LÁ FORA
Notícias que marcam:
Membros da União Europeia afirmam que Moscovo e Pequim continuam a divulgar desinformação nas redes sociais, com o objetivo de prejudicar a União Europeia e os seus parceiros. Para ler no Politico, aqui
“A reação inicial requer confiança: um reconhecimento de que quem nos está a dirigir a informação é competente e não está a tentar manipular-nos. É por isso que a verificação de informações é tão importante.” A opinião de Hugo Mercier, cientista cognitivo do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica, no The Guardian, para ler aqui

Contra factos não há argumentos
O Polígrafo é um projeto jornalístico online que tem como principal objetivo apurar a verdade e não a mentira no espaço público. Dali escolhemos algumas análises incontornáveis nesta luta contra a mentira:
“A mentira do ano 2019” Para ler aqui
“24 fact-checks sobre coronavírus” Para ler aqui
“CINE-CHECK: “Casablanca”: Reunir os suspeitos do costume” Para ler aqui

Mais sobre Fake News
Como Sobreviver | Por Diário de Notícias
Três sugestões para que estas campanhas de fake news nas redes sociais não apanhem ninguém desprevenido.
1 – Desconfie (mesmo que a gravação de voz, ou um “testemunho” qualquer, que chegou ao seu telemóvel pareça genuína)
2 – Procure fontes oficiais, nunca anónimas
3 – Não alimente a “máquina” das mentiras
Leia muito mais aqui
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Facts & Figures | Por Lusa, Combate Fake News
O site combatefakenews.lusa.pt é produzido pela Agência Lusa e é um ponto de debate sobre as ‘fake news’ em Portugal e no mundo. Dali selecionámos alguns artigos indispensáveis sobre o tema:
“O combate às fake news visto pelos jornalistas (e não só)”, para ver aqui
“Fake News”: a forma pós-moderna dos antigos rumores,” para ver aqui
“O que são notícias falsificadas? Perguntas e respostas” Para ver aqui

Opinião Luísa Meireles
Aquilo que não esperávamos, que sabemos e de que temos medo.
Gostaria de dizer uma grande mentira. Perdão, uma grande verdade, porque hoje é dia de enganar o próximo: a covid-19 acabou, finalmente encontrou-se uma vacina contra o terrível SARS-CoV-2, o coronavírus sobre o qual agora sabemos todos imenso. O que é verdade e o que é mentira.
Já sabemos o que é verdade: que é um tipo novo de coronavirus, eventualmente com origem num animal hospedeiro (o morcego) e transmitido ao ser humano através da ingestão de um animal encantador, o pangolim, e do qual, tenho a certeza, muita gente nem sabia sequer da existência. Pois é: em terras da China, é um petisco apreciado e por isso mesmo vendido vivo em mercados. Nota: está em perigo de extinção. Já o sabíamos, o homem-gourmet é destrutivo.
Também já vamos sabendo muitas outras coisas sobre como se transmite, como a epidemia se expandiu até se transformar numa pandemia, que nos mata e faz adoecer e como podemos – se não curar – pelo menos prevenir e tratar.
Mas, francamente, dispensava conhecer as elaboradas teorias da “vingança da natureza”, ou da conspiração que rodeiam o aparecimento do “bicho” (que afinal não é, nem sequer é um organismo vivo), bem como o milhão de pequenas coisas que não são verdade (nem mesmo hoje). Exemplo: o SARS-CoV-2 só ataca aqueles que conseguem cantar a Desfolhada da Simone, ou que se trata com alho, ou vitamina C, ou bebendo muita água quente. Em França, o ministério da Saúde foi obrigado a desmentir nas redes sociais que não, que a cocaína também não cura. Muito pelo contrário, vicia.
Anoto por excêntrica a mentira vendida como verdade por um político indiano de que a urina misturada com estrume de vaca cura o vírus. Na índia, a vaca é um animal sagrado. Só a título de curiosidade: a Índia é hoje um dos países cujos 1,3 mil milhões de habitantes com dever de confinamento social e que está à beira de uma eventual revolta social por causa disso mesmo.
Mentiras e verdades à parte, estamos por enquanto “congelados” à espera. Quase como naquelas imagens das videoconferências que agora todos fazemos via teams, zoom, Skype ou whatsApp e não sei quantas mais plataformas de encontros virtuais. À espera da vacina, que só chegará daqui a muitos meses, enquanto também esperamos, entretanto, que surja um medicamento eficaz.
Bendizemos todos os incríveis esforços de tantos médicos, enfermeiros, assistentes e sei lá quantos operacionais dos serviços de saúde que trabalham até ao limite da exaustão, que se separaram das famílias para continuar a poder ir trabalhar sem a contaminar.
Maldizemos em igual medida quem infringe as até agora toleráveis regras do confinamento em Portugal, passeando-se em magotes ou indo à praia, afinando pelo mesmo tom do Presidente brasileiro Bolsanaro, segundo o qual “praia é um lugar limpo, do mais saudável que há”. Pois, foi banido do Twitter.
Acreditamos que talvez venha aí um mundo melhor, que as pessoas vão ser diferentes, que isto nos vai mudar, porque no passado também as grandes pestes deram origem a novas maneiras de estar. Será? Se há qualidade do homem é que se adapta a tudo. Por isso tem sobrevivido.
Compreendemos os governos, sufocados entre a necessidade de conter a pandemia para não estourar com os sistemas de saúde e, com isso, paralisar a economia. Mandar as pessoas para casa tem um custo económico elevadíssimo.
E sim, sobretudo tememos o que ainda pode vir aí: as consequências económicas, a recessão prolongada e profunda, o desemprego, fileiras inteiras de riqueza colapsadas. E as consequências políticas também. O coronavirus também põe à prova as nossas democracias, há sempre quem prefira denunciar a colaborar, vigiar em vez de advertir, mandar sem discutir.
Quando isto passar, quero voltar a chegar perto, a abraçar e a beijar quem gosto. Sorrir para todos e não ter de me afastar dois metros de quem passa por mim. Quero um 25 de Abril nas ruas!
Luísa Meireles, Diretora da Agência Lusa

Opinião Fernando Esteves
A corrida das nossas vidas
Não é novidade para ninguém que as democracias liberais estão em avançado estado de degradação. Os sinais são numerosos e chegam de todo o lado. Dos Estados Unidos, onde à frente da maior e mais pujante democracia do mundo está um populista com uma perigosa interpretação do “menos mau dos sistemas”. De França, onde um partido de extrema-direita obteve um resultado histórico nas últimas presidenciais. De Espanha, com o Vox. Da Grécia. De Itália. Da Alemanha, Áustria e Suécia. E do Brasil, claro, com o furacão Bolsonaro, neste momento a arrastar um país com 300 milhões de habitantes para uma catástrofe de saúde pública com as suas posições, digamos, excêntricas, sobre o drama da Covid-19.
São conhecidas as razões para o surgimento destes fenómenos marginais que ameaçam a democracia. Os mais decisivos são a crise económica, a desconfiança em relação ao establishment e, num plano diverso, a agressão continuada dos valores que alicerçam as sociedades modernas – e entre eles a liberdade ocupa uma posição nuclear.
Quando se fala de liberdade, fala-se fundamentalmente de liberdade de expressão, a maior das bandeiras da democracia. Ora, aquilo que deveria ser a garantia de que o sistema perdura no tempo é neste momento o seu adversário mais desafiante. Porque a máxima liberdade originou, num mundo que mudou tanto nos últimos 10 anos, a máxima irresponsabilidade.
Há apenas uma década, o acesso ao espaço público era um exclusivo de uma casta. Hoje, com o advento pleno da era digital, qualquer cidadão pode emitir opiniões que, dependendo da sua qualidade e vigor viral, rapidamente atingem milhares, senão milhões, de pessoas, fixando tendências de pensamento e patamares de discussão pública.
Este fenómeno é bom (a abertura do espaço público a todos é um ganho), mas também é mau, porque com a massificação das redes sociais também se massificou a disseminação de rumores, mentiras ou meias verdades cuja difusão à velocidade da luz é claramente uma ameaça à sociedade dos direitos, deveres e garantias tal qual a conhecemos. Rumores, mentiras e meias verdades que muitas vezes são colocados a circular por spin doctors profissionais, devidamente pagos para o efeito.
Hoje é na internet, sobretudo nas redes sociais, que quase tudo acontece no campo da fixação dos factos e no domínio do agenda setting. Donald Trump é o primeiro presidente da era Twitter. Grande parte da sua comunicação política é feita solitariamente através das redes sociais. Ao provar que não precisa dos media mainstream para tomar conta da maior democracia do mundo, Trump tornou-se na face visível de um mundo em processo acelerado de mudança. Um mundo em que os tweets de 280 caracteres se impõem ao factos. Um mundo em que a espuma dificulta o acesso à profundidade, como se tem provado à saciedade desde que o novo coronavírus surgiu como um tsunami de consequências ainda altamente imprevisíveis.
Perante isto, o que fazer? Fingir que não se está a passar nada, enfiar a cabeça na areia e esperar pacientemente que os políticos encontrem soluções para resolver uma questão desta magnitude? Pura fantasia. Os amantes da liberdade e da verdade têm de ir a jogo, de colocar a cabeça à superfície e de, com os mesmos instrumentos que usam os adversários da democracia para propagar as suas ideias, impor os seus argumentos.
A solução não é cortar a liberdade – é, pelo contrário, mais liberdade, mais palavras, mais pensamento, mais triagem de informação e, fundamentalmente, mais velocidade na perseguição da mentira e da desinformação, que, dizem os estudos, se propaga 50 vezes mais rapidamente do que a reposição da verdade. Encurtar esta distância é, talvez, o maior dos desafios das democracias modernas.
Fernando Esteves, Fundador e Diretor do Polígrafo

Opinião Paulo Pena
O Dia das Verdades
O dia de hoje aviva-nos a memória: as mentiras sempre fizeram parte da nossa rotina. Não são, então, as mentiras, por si só, que mudam a forma como as nossas sociedades discutem os seus dilemas, ou beneficiam o populismo. O que está a transformar a forma como nos comportamos, e formamos crenças, é bem mais profundo do que aquela estranha convicção crescente de que a terra é plana, ou que o Covid 19 é uma arma biológica criada por génios malévolos da geoestratégia. A desinformação não começa, nem acaba, com as mentiras que circulam. Ela é criada por alguém (como negócio ou propaganda política, há de tudo), e depois disseminada por pessoas reais ou software de replicação (os famosos bots) e, por fim, depende da partilha de pessoas comuns, e alheias aos dois primeiros passos da manipulação. Esse é o centro do problema: o domínio das plataformas online (onde a maioria do mundo se “informa”) e a publicidade direccionada (que já não premeia a credibilidade, mas apenas o número de acessos) alimentam a superficialidade e valorizam os cliques. É nestes dois pontos que depende a sobrevivência deste “dia das mentiras” como a excepção satírica do nosso ano em busca da verdade. Sem regulação das plataformas online, e sem jornalismo, arrisco-me a dizer que, em breve, celebraremos o “dia das verdades”.
Paulo Pena, Jornalista do DN e do projeto europeu Investigate Europe